A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 retirou mais de R$ 1 bilhão do orçamento das instituições de ensino superior brasileiras. A redução foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Governo Federal. Além do corte aprovado em lei, o Governo Federal ainda bloqueou parte do recurso destinado a essas instituições condicionando-o à receita arrecadada por ele. Protagonistas no combate à pandemia, as universidades públicas correm o risco de parar antes do final do ano e, certamente, terão ações de ensino, pesquisa e extensão afetadas.
A Universidade Federal do Paraná (UFPR) enfrenta um corte orçamentário que representa aproximadamente 19% com relação à verba de 2020, que foi de pouco mais de R$156 milhões. Em 2021, a universidade recebeu cerca de R$ 126 milhões e, com a determinação do bloqueio, apenas R$103 milhões estão liberados, assim, a redução chega a 34% em apenas um ano.
O corte tem se aprofundado a cada ano desde 2016, quando a verba girava em torno de R$ 185 milhões. De lá para cá, houve uma redução orçamentária de mais de 31%. Se considerarmos o bloqueio determinado pelo Governo, a redução no montante total ultrapassa os 44%. É preciso considerar, ainda, a inflação, que foi bastante elevada nesse período, além do aumento no número de estudantes que ingressaram na universidade.
Redução orçamentária ao longo do tempo
O recurso que vem sendo cada vez mais reduzido é destinado ao pagamento das despesas discricionárias, que contemplam contas como água e luz e contratos de limpeza, portaria e segurança, além de algumas bolsas, manutenções e reformas prediais, compras de insumos e equipamentos para laboratórios, entre outros itens indispensáveis ao funcionamento da universidade e de suas atividades.
De acordo com o pró-reitor de planejamento, orçamento e finanças da UFPR, Fernando Marinho Mezzadri, a redução orçamentária, que em 2021 chegou ao seu ápice, já tem afetado as ações da instituição, porém o bloqueio de parte dessa verba prejudicará todas as atividades, sem exceções. “Impacta em todas as áreas: bolsas, contratos, insumos. Com esses 23 milhões a menos, não conseguiremos manter todas as nossas ações até o final do ano”.
Ações e serviços essenciais
Por mais que grande parte das atividades da UFPR estejam sendo desenvolvidas de forma remota, isto é, com estudantes, professores e servidores em casa, não é possível abrir mão dos serviços essenciais. “Não podemos deixar a universidade sem vigilante, sem limpeza e sem manutenção básica. Por isso, a maioria dos contratos se manteve”, explica o pró-reitor que também afirma ser inviável descontinuar o funcionamento de diversos equipamentos imprescindíveis para pesquisas, como os freezers e câmaras frias.
Essas pesquisas, que não pararam em nenhum momento desde o início da pandemia de Covid-19, tendo sido até intensificadas nesse momento, serão muito afetadas com a falta de verba. Um exemplo bastante impactante é a vacina contra o coronavírus que está sendo desenvolvida na UFPR desde o ano passado. Sem dinheiro para contas discricionárias, não será possível comprar ração para os camundongos utilizados nos testes pré-clínicos, essenciais para a evolução desse e de outros estudos.
Vacina contra o coronavírus em desenvolvimento na UFPR. Foto: Marcos Solivan
Segundo o diretor do Setor de Ciências da Saúde, Nelson Rebellato, a falta de dinheiro impede também a realização de novos investimentos, a atualização e a compra de equipamentos primordiais para áreas como medicina. “Saúde é o maior setor da UFPR, congregando seis cursos de graduação, 11 de pós-graduação, além de inúmeros cursos de especialização e residências. É um setor que demanda um custo muito grande para o seu andamento, principalmente na aquisição de equipamentos de ponta e de materiais de uso diário”.
Ele também lembra que muitas das ações desenvolvidas nos cursos da área de saúde são assistenciais, tendo impacto direto para a sociedade. A parceria com o Complexo do Hospital de Clínicas e com as unidades de atenção primária, as atividades de Terapia Ocupacional, Nutrição, Farmácia e Odontologia têm papel fundamental para com a comunidade geral e não apenas a acadêmica. “Espero que as pessoas se sensibilizem, principalmente nesse momento de pandemia que é tão triste para todo o mundo, de que é necessário investir muito na produção do conhecimento e na área da saúde”, desabafa Rebellato.
O reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, destaca as soluções para saúde e para vida que são desenvolvidas no âmbito nas universidades públicas. “Neste período de pandemia fica evidente a imprescindibilidade das universidades públicas, não apenas na formação, mas na produção do conhecimento, pois são nas universidades públicas brasileiras que se faz ciência e se apresentam as soluções pra saúde e para a vida. Assim, as universidades precisavam ser tratadas com mais respeito e como instituições estratégicas e não inviabilizadas”.
A UFPR realiza testes de coronavírus em assintomáticos desde outubro de 2020. Foto: André Filgueira
Retorno presencial
O planejamento para a utilização dessa verba reduzida não contempla ainda o retorno das atividades presenciais. Segundo Mezzadri, as poucas economias alcançadas com o trabalho remoto foram absorvidas pela redução orçamentária. Contudo, com o bloqueio do recurso, é inviável reativar serviços como restaurantes universitários e intercampi, levando em conta o aumento de outras despesas que serão inevitáveis com a retomada completa das atividades presenciais, ainda sem previsão para acontecer. “Se o bloqueio se mantiver, é impossível sustentar até mesmo as atividades emergenciais da universidade”.
Adequação
O pró-reitor afirma que para atender todas as necessidades básicas, a universidade precisa de, no mínimo, R$160 milhões. Tentando se adequar à nova realidade orçamentária, a gestão da UFPR reviu todos os seus contratos, contingenciou o repasse de recurso para as unidades e os setores, não liberou novas obras, nem novos serviços de manutenção. Isso com a premissa de quitar todos os contratos, principalmente os que envolvem terceirização. “Não abrimos mão de pagar em dia o salário dos trabalhadores terceirizados nem as bolsas”, diz Mezzadri.
Mesmo com todos os esforços, juntamente com a incerteza do desbloqueio do recurso por parte do Governo Federal, permanecem a incerteza do funcionamento da universidade e de até quando será possível manter as portas abertas.
Restaurantes universitários dos campi Botânico e Politécnico precisam de reforma nos telhados. Foto: Samira Chami Neves
Universidades não pararam na pandemia
Uma pesquisa coordenada pelo Colégio de Gestores de Comunicação das Universidades Federais (Cogecom), da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), revelou que, durante o ano de 2020, mais de 50 mil estudantes concluíram a graduação nas universidades federais em diversas profissões demandadas pela sociedade – notadamente nas áreas se saúde, além da formação de centenas de novos mestres e doutores.
Juntas, as universidades participantes da pesquisa atenderam mais de 85 milhões de pessoas ao longo do ano nas várias frentes de apoio e enfrentamento à Covid-19, com uma média de 147 mil pessoas beneficiadas por mês, em cada instituição. O levantamento indica ainda a realização de 73.825 projetos de pesquisa e 29.451 de extensão, produção de mais de 691 mil litros de álcool 70%, 515 mil Face Shields, 651 mil máscaras e a realização de mais de 670 mil testes de Covid-19 pelas universidades federais, somente em 2020.
Desde o início da pandemia, todas essas atividades destacadas na pesquisa foram acentuadas. No entanto, as graves restrições orçamentárias comprometem a capacidade de trabalho das universidades federais. O orçamento geral destinado a essas instituições para 2021 é 18,16% menor em relação a 2020 e afeta as 69 instituições.